Fortalecendo Conexões - um ensaio


Fortalecendo Conexões: praticando a Comunicação Não-Violenta
Por Fabiana Maia

“Olho por olho...e todos terminaremos cegos”  
Mahatma Gandhi

A Comunicação Não-Violenta (CNV) não é uma teoria, um método, uma técnica, nem uma ferramenta de comunicação, muito menos uma doutrina. Talvez esteja mais próxima de pesquisa contínua, uma abordagem ou plataforma viva e orgânica de aprendizado que nos guia para fortalecermos nossas conexões, construindo um ambiente mais propício para experimentarmos a paz.

O "pai" da CNV é o psicólogo americano Marshall Rosenberg acompanhado de uma equipe internacional de colegas, que apoia o estabelecimento de relações de parceria e cooperação para que povos e indivíduos em conflito dialoguem de maneira eficaz e sustentável. No Brasil, uma das principais referências em CNV é o pesquisador social Dominic Barter (inglês radicado no Rio de Janeiro).

A CNV enfatiza a importância de determinar ações com base em valores comuns, enxerga uma continuidade entre as esferas intrapessoal, interpessoal e social, e providencia formas práticas de intervir.

A aplicação da CNV se dá em todos os campos, em todas as relações e interações em que se pressupõe que haverá diferenças e conflitos. Desde 2007 me dedico de corpo e alma no estudo e prática da CNV, observando avanços incríveis na minha vida pessoal e no trabalho. Como meu foco de trabalho é o desenvolvimento do poder pessoal, coaching de carreira e de lideranças e ainda o fortalecimento das relações nas equipes, encontrei no estudo da CNV uma plataforma simples, ainda que profunda, para alavancar a competência relacional para um patamar de qualidade única de conexões.

Cada vez mais, percebo a valorização da “educação emocional” para criar um campo de relações mais felizes. Por consequência, quem aprende, exercita, e aplica a CNV, melhora a qualidade de suas relações, desenvolve resiliência e abertura na vida e no trabalho, e acessa o poder de cocriar o mundo, percebendo o fio condutor que conecta nossa vida ao outro e ao resto do mundo.

Há quatro elementos-chave que estruturam a CNV: observar sem julgar, identificar e expressar as necessidades (do outro e minhas), nomear os sentimentos envolvidos (do outro e meus) e formular pedidos claros e possíveis. Na experiência desse processo, nada habitual para muitos de nós, surge a pérola que emerge do lodo: a autoempatia e a empatia na conexão com o outro.

Muitos de nós nos encontramos aprisionados em crenças que reproduzem um moralismo simplista de comportamentos certos e errados, onde há vítimas e vilões. Temos o vício de adotar o atalho de julgar e criticar, achando que assim convenceremos o outro de que temos a razão. E assim nos afastamos das pessoas, esquecidos da ética viva dos valores e necessidades universais– um dos pilares centrais da CNV.

Chamo esse trabalho de educação emocional, pois há um “treino” necessário já que parecemos tão distantes de “escutar” e poder expressar nossas necessidades, e ainda tão longe de nos conectarmos com aquelas de nossos interlocutores. Dessa forma, sentimentos de medo, raiva e tristeza imperam nas relações. Fugimos dos conflitos, ou queremos acabar logo com eles, por profunda incompetência relacional. Transcendemos esse padrão quando aprendemos a apreciar o conflito como uma manifestação de que há vida querendo ser renovada nas relações.

A violência, presente no nome dessa abordagem, remete a algo mais sutil do que se costuma pensar. Não escutar com empatia o outro pode ser violento, interromper enquanto o outro fala também. Não valorizar suas necessidades e ceder para o desejo do grupo, pode também ser uma autoviolentação, mesmo que a forma de se comunicar seja doce. Não se trata da violência que se lê nos jornais, mas sim da ausência (ou carência) de apreciação e gratidão que presenciamos na atmosfera do trabalho, na vida familiar, entre vizinhos de um condomínio, etc..

“A solução de conflitos começa quando são eliminados da linguagem julgamentos e acusações. Muitas vezes, nas chamadas resoluções diplomáticas de conflitos, não são tratadas as fontes da agressão. A raiz da violência, e não do conflito, está na expressão trágica de uma necessidade humana não atendida.”   Dominic Barter

A CNV abala os alicerces que vêm sustentando (ainda que sem sustentabilidade) há milênios nossa civilização. A lógica de punição e exclusão existente em quase todos os sistemas sociais, como escolas, empresas, igrejas e famílias, é colocada em cheque. O pressuposto que se eu punir alguém que cometeu um erro ou violou uma regra, estarei assim ensinando a ele (e ao grupo) uma lição que vai levá-lo a corrigir o seu comportamento, vem se mostrando ineficiente, já que a corrupção, a criminalidade, a dependência química, a depressão, o absenteísmo, a queda de engajamento e o estresse só parecem aumentar.

A empatia é uma chave importante nesse processo. Ao esvaziar a mente de julgamentos e OUVIR com toda presença, atenção e abertura, para poder reconhecer as necessidades e sentimentos do outro, surge a empatia. Não é preciso concordar, nem discordar quando o objetivo é fortalecer a conexão.

“A empatia é a compreensão respeitosa do que os outros estão vivendo.”
 Marshall Rosenberg

As estruturas sociais estão organizadas de forma a produzir uma dinâmica que não promove a parceria e a eficiência de comunicação. Vemos que as possibilidades, e aqui estamos falando de escolhas, foram tiradas dos indivíduos, pela valorização de uma visão de liderança que precisa orientar, comandar, controlar. No corre-corre da vida contemporânea, há uma carência latente de tempo para fortalecer as conexões, identificar o que cada pessoa está fazendo, suas necessidades e sentimentos, quais os contratos grupais que regem as relações, etc.. O foco no resultado vem matando o foco no processo, e essa discussão parece tocar na raiz da era de transformações que estamos vivendo -- querendo ou não.

A CNV acaba servindo para que a autoresponsabilização pelas escolhas e suas consequências seja experimentada em sua plenitude. Como humanidade, assumimos a responsabilidade pelas atitudes de exploração dos recursos naturais que nos últimos séculos levou nosso planeta à situação de desequilíbrio que hoje se encontra.

Ainda que o vitimismo tenha se enraizado há milênios, especialmente na cultura ocidental, urge a necessidade de cada indivíduo assumir o papel de protagonista da cena de sua vida e se responsabilizar pelas consequências de suas escolhas.

A CNV vem apoiando pessoas, grupos, famílias, escolas, instituições governamentais, empresas, ONGs e nações do mundo inteiro a cocriarem uma realidade que vai além dos padrões condicionados, para uma possibilidade de experimentarmos relações produtivas, saudáveis, pacíficas, felizes e sustentáveis. Isso não quer dizer um estado de harmonia perene com ausência de conflitos e desentendimentos. Apenas estaremos mais instrumentalizados e maduros (emocionalmente) para lidar com eles, quando surgirem.

Junto com um grupo de pesquisadores, eu tenho oferecido cursos de CNV em vários cantos do país e todo o trabalho de coaching e consultoria que realizo está fundamentado nessa plataforma. Dominic Barter coordena a CNVBrasil, rede a qual nos sentimos intensamente engajados, e que vem organizando uma série de cursos que aprofundam a CNV no país e em outros países também.
Para criar a “musculatura” relacional, focada na conexão empática é preciso muito mais do que participar de um curso ou ler um livro. É imperativo um estado de consciência, de atenção constante para operar nessa nova base e que é profundamente libertadora.

Comentários

  1. Fabi, adorei o teu artigo, está poético, claro e inspirador, queria saber se posso publicar no meu blog? Beijo grande!!!

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