CNV - Fortalecendo as Conexões

“Olho por olho...e todos terminaremos cegos” Mahatma Gandhi




A Comunicação Não-Violenta (CNV) não é uma teoria, um método, uma técnica, nem uma ferramenta de comunicação, muito menos uma doutrina. Talvez esteja mais próxima de uma abordagem ou plataforma de aprendizado (mais emocional que mental) que nos guia para fortalecermos nossas conexões com as pessoas, construindo um ambiente mais propício para experimentarmos a paz.
O "pai" da CNV é o psicólogo americano Marshall Rosenberg acompanhado de uma equipe internacional de colegas, que apoia o estabelecimento de relações de parceria e cooperação para que povos e indivíduos em conflito dialoguem de maneira eficaz e sustentável. No Brasil, quem pode ser considerado a referência em CNV é o pesquisador social Dominic Barter (inglês radicado no Rio de Janeiro).
A CNV enfatiza a importância de determinar ações com base em valores comuns, enxerga uma continuidade entre as esferas pessoal, interpessoal e social, e providencia formas práticas de intervir.
A aplicação da CNV se dá em todos os campos, em todas as relações e interações em que se pressupõe que haverá diferenças e conflitos. Como passamos a maior parte de nosso dia e de nossas vidas trabalhando é no contexto das relações profissionais que acabamos vivendo grande parte de nossos conflitos. E como meu foco de trabalho é o desenvolvimento de lideranças e o fortalecimento das relações nas equipes, encontrei no estudo da CNV uma plataforma simples, ainda que complexa, para alavancar a competência relacional para um patamar de qualidade de conexões única.
Cada vez mais líderes e profissionais focam seu aprimoramento na educação emocional para criar um campo de relações mais produtivas. Por consequência, quem aprende, exercita, e aplica a CNV, melhora a qualidade de suas relações, desenvolve resiliência e abertura na vida e no trabalho, e acessa o poder de cocriar o mundo, percebendo o fio condutor que conecta nossa vida ao outro e ao resto do mundo.
Há quatro elementos-chave que estruturam a CNV: observar sem julgar, identificar e expressar as necessidades (do outro e minhas), nomear os sentimentos envolvidos (do outro e meus) e formular pedidos claros e possíveis. Um quinto elemento vem coroar o processo que é a autoempatia e a expressão de empatia pelo outro.
Muitos de nós nos encontramos aprisionados em crenças que reproduzem um moralismo simplista de comportamentos certos e errados, onde há vítimas e vilões. Temos o vício de adotar o atalho de julgar e criticar, achando que assim convenceremos o outro de que temos a razão. E assim nos afastamos das pessoas, esquecidos da ética viva dos valores e necessidades universais – um dos pilares centrais da CNV.
Chamo esse trabalho de educação emocional, pois há um “treino” necessário já que parecemos tão distantes de “escutar” e poder expressar nossas necessidades, e ainda tão longe de nos conectarmos com as necessidades de nossos interlocutores. Dessa forma, sentimentos de medo, raiva e tristeza imperam nas relações. Fugimos dos conflitos, ou queremos acabar logo com eles, por profunda incompetência relacional. Dessa forma, aprendemos a apreciar o conflito como uma manifestação de que há vida querendo ser renovada nas relações.
A violência, presente no nome dessa abordagem, remete a algo mais sutil do que se costuma pensar. Não escutar com empatia o outro pode ser violento, interromper enquanto o outro fala também. Não valorizar suas necessidades e ceder para o desejo do grupo, pode também ser violento, mesmo que a forma de se comunicar seja doce. Não se trata da violência que se lê nos jornais, é sim da ausência (ou carência) de apreciação e gratidão que presenciamos na atmosfera empresarial (assim como na familiar e etc..).
“A solução de conflitos começa quando são eliminados da linguagem julgamentos e acusações. Muitas vezes, nas chamadas resoluções diplomáticas de conflitos, não são tratadas as fontes da agressão. A raiz da violência, e não do conflito, está na expressão trágica de uma necessidade humana não atendida.” Dominic Barter
A CNV abala os alicerces que vem sustentando (ainda que sem sustentabilidade) há milênios nossa civilização. A lógica de punição existente em quase todos os sistemas sociais, e visível nos ambientes organizacionais, é colocada em cheque. O pressuposto que se eu punir alguém que cometeu um erro ou violou uma regra, estarei assim ensinando a ele (e ao grupo) uma lição que vai leva-lo a corrigir o seu comportamento, vem se mostrando ineficiente, já que a corrupção corporativa, a depressão, o absenteísmo, a queda de engajamento, o estresse só parecem aumentar.
A CNV mudou a minha forma de ver e estruturar o feedback que chamamos de redirecionamento (o que outros chamam de “negativo”). Quantas vezes a pessoa que recebe esse feedback sai da sala como se tivesse ficado de recuperação na escola, com a sensação de que está errada e o “chefe” está certo. E o “chefe” se enche da ilusão de que deu um feedback claro e que deve produzir o efeito que ele deseja. Se em alguns meses não há a mudança esperada, está comprovado que o subordinado é um incompetente mesmo. Será? Se como líder fortaleço a conexão entre meus subordinados (clientes, pares, chefes...) posso cocriar com eles as bases para mudanças consistentes e sustentáveis. Mesmo que um desligamento ou uma ruptura contratual ocorra no final desse processo, a qualidade da relação, pelo fato da pessoa ter sentido que tinha escolhas e que suas necessidades foram ouvidas, irá sustentar a confiança e a gratidão, ainda depois da saída.
A empatia é uma chave importante nesse processo. Ao esvaziar a mente de julgamentos e OUVIR com toda presença, atenção e abertura, para poder reconhecer as necessidades e sentimentos do outro, surge a empatia. Não é preciso concordar, nem discordar quando o objetivo é fortalecer a conexão.
“A empatia é a compreensão respeitosa do que os outros estão vivendo.”  Marshall Rosenberg
As estruturas corporativas estão organizadas de forma a produzir uma dinâmica que não promove a parceria e a eficiência de comunicação. Vemos que as possibilidades (estamos falando de escolhas) foram tiradas dos indivíduos, pela valorização de uma visão de liderança que precisa orientar, comandar, controlar. Há uma carência latente de tempo no corre-corre empresarial para fortalecer as conexões, identificar o que cada pessoa está fazendo, qual a sua função, quais os contratos grupais, e etc.. O foco no resultado vem matando o foco no processo, e essa discussão parece tocar na raiz da era de transformações que estamos vivendo (querendo ou não).
A CNV acaba servindo para que a autoresponsabilização pelas escolhas e suas consequências seja experimentada em sua plenitude. Como humanidade, assumimos a responsabilidade pelas atitudes de exploração dos recursos naturais que nos últimos séculos levou nosso planeta à situação de desequilíbrio que hoje se encontra.
Ainda que o vitimismo tenha se enraizado há milênios na cultura ocidental, especialmente, urge a necessidade de cada indivíduo assumir o papel de protagonista da cena de sua vida e se responsabilizar pelas consequências de suas escolhas.
A CNV vem apoiando pessoas, grupos, escolas, instituições governamentais, empresas, ONGs e nações do mundo inteiro a cocriarem uma realidade que vai além dos padrões condicionados, para uma possibilidade de experimentarmos relações produtivas, saudáveis, pacíficas, felizes e sustentáveis. Isso não quer dizer um estado de harmonia perene com ausência de conflitos e desentendimentos. Apenas estaremos mais instrumentalizados e maduros (emocionalmente) para lidar com eles, quando surgirem.

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